Lembro-me de há uns quinze anos
uma turma queixar-se de uma professora de matemática. Diziam os alunos que ela
permanentemente se fixava na janela e se esquecia deles. Eu, como diretora de
turma, teria de resolver o problema. Mas ela estava deprimida e assustada, não
com a crise dos tempos de hoje, claro, mas com outra, para a qual não
encontrava solução. E eu também não sabia como ajudar. Os alunos não
compreendiam. Para eles, ela era medíocre. E eu, que não resolvia o caso,
também. “Não se brinca com um 11.º ano”, diziam. “Eu quero entrar em medicina”,
acrescentava um. “E eu preciso de boa nota a matemática, que é a específica”,
acrescentava outro. “Façam os exercícios do manual que ela vai pedindo”, dizia
eu, sem mais inteligência. Mas face a esta sugestão, contaram-me logo a
história do dia anterior: depois de terem entrado na aula, a professora
pediu-lhes que fizessem os exercícios de uma determinada página e logo fixou o
olhar na janela, no Outro lado que, decerto, apaziguava tudo aquilo que a
emudecia. Passados minutos, um dos alunos perguntou-lhe:
- Afinal, qual é a página, stôra?
- Ah? Ah, sim… é… é uma qualquer.
Para ela, qualquer página servia.
Mas para eles não. Porém, apesar desta adversidade, os alunos lá foram
caminhando até ao fim do ano e até ao fim de muitos outros anos, com a
determinação que não encontraram na professora. Contudo, hoje, já médicos,
engenheiros, veterinários, também olham pela janela à procura do Outro lado, o
lado que alivia as tensões maiores. E agora percebem a resposta da professora.
Em certos momentos da vida, qualquer página serve para a nossa história. A falta
de perspetiva de futuro a isso leva.
Sem comentários:
Enviar um comentário