Aprende-se a caracterizar, no ensino básico, o Português como língua românica; aprende-se, numa Faculdade de Letras, que as línguas românicas derivam do Latim (desde o século VI a.C.), que, por sua vez, deriva do Ítalo, que veio do Ítalo Céltico, fazendo este parte do Proto-Indo-Europeu; e, finalmente, sabe-se hoje que são línguas românicas o português, o espanhol, o catalão, o francês, o italiano…
Aprende-se, numa viagem que se faz a Roma, que o português, primo, irmão ou sobrinho das outras línguas românicas, é casado com o espanhol, e não estando um dos cônjuges em casa, é-se recebido pelo outro. Assim, não havendo palavra que se leia em português nos folhetos informativos e outra documentação que se vai encontrando pelos museus, galerias, igrejas, palácios, monumentos… , estando essa informação disponível numa meia dúzia de línguas (que não o português), pergunto a um dos funcionários que trabalha no Pantheon, apontando para os folhetos:
- Texto em português?
- No, spagnolo.
E a mesma pergunta é feita a um outro, na igreja Santa Maria Maggiori, que diz:
- No, spagnolo.
E reitera-se ainda no Monumento a Vittorio Emanuele II:
- No, spagnolo.
E… no Ara Pacis, nos Musei Capitolini, e já em Firenze, na igreja de Santa Maria Novella, no Musei dell’Opera di Santa Maria del fiore e, voltando a Roma, no Vaticano, em frente à sublime Basilica S. Pietro e Musei Vaticani…
- Guia em Português?
- No, spagnolo.
Talvez esta junção de línguas românicas, cada uma com verdadeira identidade e autonomia, se deva a uma questão economicista: é caro reeditar publicações esgotadas e os folhetos oferecidos só para alguns… Então, volto a inquirir, não os funcionários dos museus, igrejas, galerias, palácios, monumentos, mas sim os que devem promover a nossa língua no mundo: o que se tem feito para evitar que o português passe de repente a ser espanhol?
E leia-se:
“La nascita dei Musei Capitolini risale al 1471, quando il papa Sisto IV donò al popolo romano un gruppo di statue bronzee conservate fino ad allora al Laterano, che costituirono il núcleo iniziale della raccolta. (…) Il Palazzo dei Conservatori mostra nelle sale dell’Appartamento l’originale núcleo architettonico dell’edificio, decorato da splendidi affreschi com le storie di Roma e nobilitato dalla presenza degli antichi bronzi capitolini: la Lupa, lo Spinario, il Bruto Capitolino.”
- La Lupa!? É a loba?
- Sí, la loba.
Não lamento o facto de o espanhol ter ganho este protagonismo, uma vez que soube chegar sabiamente aos grandes centros de cultura da Europa. Lamento, sim, o facto de o português ser confundido com os seus parentes, perdendo a sua dignidade como língua de cultura e de ciência, que tão bem soube ser noutros tempos.
Por falar em ciência, é cá dentro, e não na Europa, que o português não se tem imposto como língua de conhecimento: é, pois, nas universidades que a língua portuguesa vai sendo preterida por uma outra, que se assumiu como língua de publicação/divulgação/defesa dos estudos que são feitos por investigadores portugueses: o inglês. Acredito que a investigação esteja associada à internacionalização e que seja necessário produzir em inglês como forma de promoção dos estudos científicos que por cá se vão fazendo, dado o seu poder como língua internacional. Acredito que muitas palestras, comunicações, assim como aulas teóricas e práticas nas diferentes universidades portuguesas tenham de ser proferidas ou lecionadas em inglês, para garantir a intercomunicação e internacionalização dos vários domínios do saber que são desenvolvidos mas… não estaremos a permitir que o português, cá dentro, se deixe substituir como língua de ciência?
Fernando Pessoa, que também escreveu em inglês, grafou na sua língua (a língua portuguesa) que a palavra escrita é uma questão do domínio cultural.
“A palavra falada é um fenómeno natural; a palavra escrita é um fenómeno cultural. O homem natural pode viver perfeitamente sem ler nem escrever. Não o pode o homem a que chamamos civilizado: por isso, como disse, a palavra escrita é um fenómeno cultural, não de natureza mas da civilização, da qual a cultura é a essência e o esteio.” [Fernando Pessoa (1997), A Língua Portuguesa. Edição de Luísa Medeiros. Assírio e Alvim. ]
Estando a língua portuguesa, de diferentes modos, a ser substituída por outras, a preservação da nossa cultura, que também é conhecimento, corre riscos, sérios riscos. E a nossa cultura e conhecimento são a nossa identidade como povo, o nosso ser, a nossa essência.
Por que não promover o português nos centros culturais europeus, procurando negociar a tradução para português de documentação, de volumes e de publicação de interesse? Por que não salvaguardar a possibilidade de difusão da ciência na língua portuguesa, no meio universitário nacional, promovendo eficazmente essa mesma divulgação nos países de língua oficial portuguesa e em Espanha, França, Itália…? Não seria uma forma de, consequentemente, valorizar e divulgar o português?
- Espanhol sim, e português também – digo eu.
Afinal, somos todos irmãos, não?
25/04/2009
Publicado no Correio da Educação
http://www.asa.pt/CE/
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