sábado, 4 de junho de 2011

A violência

Primeiro surgiram as imagens filmadas por um jovem, inicialmente publicadas por ele no facebook. Do domínio privado passaram ao domínio público num instante. Toda a gente as viu nos canais de televisão e na internet. Toda a gente virou a cara perante tamanha violência: uma adolescente a ser brutalmente espancada por duas jovens. Toda a gente sentiu repulsa.
Seguiu-se o vídeo sobre militares a agredirem brutalmente um colega. Durante dias, encheram os ecrãs por todo o lado. As falas dos agressores foram transcritas, para que nada escapasse aos telespectadores. Todos viram. Todos se agoniaram. Todos se indignaram.
Em terceiro lugar, mas não se pense que lhes serve a medalha de bronze num pódio de violência, cobardia e demência, chegaram as imagens facultadas por um vídeo amador que, do lado de fora, conseguiu captar a violência existente numa creche ilegal. A câmara não viu o que se passava lá dentro, no meio da casa, no meio do coração das crianças, no meio do peito das mulheres adultas, escolhidas pelos pais para respeitar e amar os seus filhos. A câmara simplesmente conseguiu filmar uma mulher louca a dar socos a crianças pequenas. Portugal, habituado a ver estas imagens deploráveis vindas de países estrangeiros, ficou horrorizado, chocado, à beira de um ataque de nervos.
As imagens entram, de facto, na casa das pessoas, sem pedir licença. Uma, duas, três vezes. E até mais. À primeira vez, os espectadores viram a cara para o lado. À segunda, já conseguem ver mais um pouco. À terceira, ganham coragem para ver tudo. À quarta já os seus olhos estão habituados. E a habituação leva à leveza. Do horror passa-se ao mau. Da violência punida pela lei, chega-se ao conceito de agressão própria “dos adolescentes mais rebeldes” ou “dos militares habituados a uma certa cultura de agressividade” ou ainda dos “loucos ainda por diagnosticar” (coitados!).
A familiaridade advinda da repetição desenfreada das imagens leva a uma reflexão mais mansa, a uma capacidade de atuar mais permissiva, a uma maior desculpabilização do que não tem desculpa.
Toda a gente viu estas curtas-metragens de horror. Toda a gente reagiu. E a seguir?
Poucos são os que olham à sua volta e procuram analisar o que se passa fora do ecrã da televisão, questionando-se: como educo os meus filhos? O que faço para travar comportamentos violentos? Como interajo com os educadores/professores que os acompanham diariamente? Sou exigente com eles ou deposito-os de manhã na sua sala e vou buscá-los à noite, sem coragem para a avaliar o dia? Qual a diferença entre a agressividade própria de um jovem (militar ou não) e a violência das suas ações? Como tutor, pai, professor, comandante, etc., quantas montanhas movo para acompanhar a formação pessoal e social do meu educando?
O problema está fora dos ecrãs. O problema está na casa de cada um, na escola e nas instituições. Mas é mais fácil desviar a cara perante as imagens que outros filmaram, para acabar por aceitar a banalidade proporcionada por um canal de televisão que concorre com o vizinho. A discussão fica para mais tarde, numa sociedade que tende a afundar-se na ignorância e na hipocrisia.

Sem comentários:

Enviar um comentário